Ser bruxa e perceber o que este “ser” é dentro de nós me parece ser uma descoberta constante. Para pensar melhor sobre o que significa ser uma bruxa, que ideias, imagens e crenças estão por trás disso, resolvi fazer uma série de textos baseados no livro “Witches, Sirens and Soothsayers“, da autora inglesa Susannah Marriott.
A autora explora, em pequenos ensaios, as diferentes figuras que a ideia da bruxa foi tomando entre os povos e os papéis que tomaram na sociedade.
“No mundo virado da bruxaria, a noite é o dia, e o dia é a noite, ‘o belo é feio e o feio é belo’, como se o dia tirasse o poder daquelas velhas senhoras que se tornam belas damas ao cair da noite. Através das culturas, as bruxas são dadas como rainhas da noite donas de poderes sobrenaturais e isso se mostra em diferentes títulos dados a elas, como donni di notti, mulheres da noite, na Sicília. A luz é universalmente associada com a bondade e a falta da luz e do Sol com seu oposto, trazendo assim as criaturas da noite que andam sobre a Lua, o que é maldoso. (…)
Durante a escuridão da noite, fica difícil seguir usando a visão, o sentido que mais confiamos durante o dia, o que aumenta a ansiedade acerca de todos os medos irracionais que temos. A escuridão é associada também com o poder de um reino escondido, o do inconsciente, que governa os sonhos e os sentimentos instintivos e incontroláveis, nossos medos e desejos mais profundos. A bruxa tem uma percepção extrasensorial, ou um sexto sentido, e assim, ela pode enxergar de noite e se infiltrar num reino secreto, rasgando nossas esperanças e adentrando a ‘noite escura da alma‘.” (p. 14, tradução livre minha)
O que fica claro neste trecho é que a principal característica da bruxa é o poder; fazer acontecer como as outras pessoas não podem fazê-lo. E assim, sob o véu da noite, do escuro que faz as palavras, a racionalidade dormente, seu trabalho é feito e seu andar junto às suas deidades começa. E assim, na Itália, as streghe seguem em seus animais e vassouras para as festas de Diana. As pharmakeia na Grécia celebram as ervas e os venenos de Hekate.
As bruxas que andam na noite possuem algo que as outras mulheres não têm, mas podem perseguir: liberdade de se mover quando o mundo está dormindo, quando suas mentes “conscientes” estão desligadas e assim, o que não pode ser racionalizado acontece. A noite tem o domínio do obscuro. E quando do lidar com a Natureza é obscuro? O quanto de nossas deidades não conseguimos expressar em palavras? A lua, a grande companheira das bruxas, se mostra em suas diversas faces e com ela, as mulheres aprendem o melhor tempo de plantar e de colher, o que plantar e o que colher, e assim, como Circe e Pasifae, fazer de suas ervas maldições e curas, bênçãos ou doenças.
Assim, ser bruxa significa voar na noite. Voar e ver aquilo que as pessoas não racionalizam. E ver de um outro ângulo. Lidar com o que as pessoas viram as costas para dormir. Olhar para a Lua que fica no céu e muda. Que regula marés e crescimentos. Sentimentos e saúde. Na lua cheia, as bruxas se juntam e trocam conhecimentos. Na lua nova, as bruxas se recolhem para meditar e refletir, para recomeçar. E nessas mudanças, os feitiços, a magia se dão. Com o mudar da lua e sua influência na Natureza, e integradas com essa energia, como sendo tudo um, as bruxas fazem suas mudanças de crescimento ou de expurgação.
Sem essas metáforas, nós bruxas somos aquelas que têm a possibilidade de conhecer e lidar com o que as pessoas deixam de lado. Muitas vezes, de noite essas questões aparecem, pois sob seu véu, refletimos, estamos sozinhas com nossas almas. Nossas deidades são antigas, nossos estudos vem de um tempo que não existe mais, mas que renovamos com a vontade de trazer à luz de um novo tempo, o conhecimento que é de sempre e que pode residir na lua, nas árvores, que está no corpo de Gaia e nas estrelas do corpo de Urano. E fazer essa busca é andar na noite, na noite do tempo que traz a antiguidade para o nosso século. Talvez fazer algo que poucas pessoas entendem é andar na noite. Cultuar deuses que foram demonizados nos faz sobrenaturais. Saber do benefício de uma planta nos faz sobrenaturais. Mas existe coisa mais natural que conhecer o poder de uma erva, para a cura ou veneno?
Somos bruxas de dia e de noite. Nas nossas profissões. Nas nossas casas. Na nossa sociedade. Somos as pessoas que, em sua espiritualidade, buscam exercer o que é natural, o que é Sol e Lua, dia e noite, Céu e Terra, porque como seres humanos, somos tudo isso e acordamos para isso.
Que Selene nos ilumine!
*&* TEXTO PARA ESTUDO
@@ LIVRO DAS SOMBRAS DABRUXA JADE FÊNIX
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